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ARQUIVO

Reformada, Igreja da Barroquinha

vira centro de cultura afro

O interior da Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha dará lugar a dois ambientes: sala de espetáculos e galeria de arte

Clarissa Pacheco/Correio

(clarissa.pacheco@redebahia.com.br)

A fachada, as duas torres, a escadaria de acesso e todos os outros elementos, como a cruz e o sino na torre direita, são de uma igreja erguida em 1726 no lugar onde um dia funcionou o primeiro terreiro de candomblé de Ketu da Bahia. Mas as paredes de pedra do interior da Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha darão agora lugar a dois ambientes: a sala de espetáculos Mário Gusmão e a galeria de arte Juarez Paraíso, homenagem a dois grandes nomes da cultura negra baiana. É nesse tom que deverá funcionar, prioritariamente, o novo Espaço Cultural da Barroquinha, que será inaugurado amanhã.

“Um teatro tradicional é neutro, você transforma no que quiser. A Barroquinha já é uma cenografia: a arquitetura é muito presente. Então, alguma coisa para chamar a atenção ali tem que ser muito boa, porque,  senão, o espaço engole”, afirma o presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), Fernando Guerreiro.

Para ele, a ideia não é monopolizar o espaço para espetáculos ou mostras voltadas exclusivamente à cultura negra, mas, também, formar uma programação que combine com o lugar. “Pensei em dar fisionomia aos espaços. Eu gosto de teatros, principalmente espaços menores, que tenham uma linha de programação. Não exclusiva, mas pelo menos que agregue”, explica.

A história do lugar tem tudo a ver com a nova linha de programação pretendida, considera o antropólogo Renato da Silveira, autor do livro Candomblé da Barroquinha. “Vejo como uma decisão acertada e oportuna, porque ali foi um centro importantíssimo de cultura negra no século XIX. Não só foi o primeiro camdomblé baiano de Ketu, como o modelo do grande candomblé baiano que temos hoje”, salienta. Segundo Silveira, ali também se reuniam grupos islâmicos africanos e foi onde nasceu a tradicional Irmandade da Boa Morte.

O espaço que será reaberto amanhã ficou fechado por um ano para uma reforma hidráulica e elétrica. Mesmo tombada por seu valor histórico e artístico, a igreja sequer tinha um sistema de proteção contra incêndios - em 1984, o fogo destruiu o templo.

 

Compromisso
A Igreja da Barroquinha se transformou em espaço cultural em 2009, mas a regularidade da programação deixava a desejar. Segundo Guerreiro, isso agora muda completamente: “Minha preocupação é que esse espaço possa ter programação constantemente e rodar”. 

Após a reforma, que custou R$ 250 mil, a igreja reabrirá com novos ares. A Galeria Juarez Paraíso já tem uma exposição coletiva montada e com curadoria do próprio artista; a sala de espetáculos Mário Gusmão, ontem, já tinha cadeiras dispostas e grades de iluminação armadas.

Dentro de três meses, a FGM pretende fazer uma mostra com objetos que foram encontrados durante a primeira reforma do local. A programação também já está sendo montada (veja quadro).

 

Abre caminhos
Amanhã, às 19h, na reinauguração, um ritual de saudação à ancestralidade será feito no local pela comunidade do terreiro Kwe Vodun Zo, como um pedido de força às entidades.

“Ali, por todos esses anos, ainda que tivesse sido reaberto, as coisas nunca caminharam direito. Essa saudação é justamente para abrir caminhos, pedindo licença e saudando os ancestrais”, aponta o presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA), Leonel Monteiro.

Responsável pelo rito, o líder espiritual do terreiro, Doté Amilton de Sogbo, contou que louvará Xangô. “Vou fazer uma oferenda a Xangô, que dizem que é dono daquele espaço, que foi o primeiro patrono dali”, conta. Sogbo afirma estar “muito feliz” pelo convite. “É a primeira vez que me chamam para um ato tão solene e tão importante”, comemora.

A ideia é que, amanhã, a igreja construída em cima do terreiro volte às raízes. “Agora fica o terreiro em cima da igreja. A Bahia tem mesmo essa coisa sincrética”, comenta Fernando Guerreiro.

 

Centro Cultural da Barroquinha
A reinauguração do Centro Cultural da Barroquinha integra, segundo o presidente da FGM, Fernando Guerreiro, um projeto mais abrangente. Já na próxima segunda-feira começam as obras de revitalização do entorno da igreja, que inclui a reforma do Teatro Gregório de Mattos, na Praça Castro Alves. “É o início de um projeto maior que é transformar aquele quadrado da Castro Alves em um enorme corredor cultural, porque vai ter a reforma do entorno do cinema”, conta.

O projeto compreende, ainda, a redução do estacionamento do Cine Glauber Rocha para dar espaço a projeções diárias de filmes ao ar livre. A ideia, conforme Guerreiro, é trazer o café que já existe no cinema para o lado de fora e, com a reforma do teatro, unir num mesmo complexo duas galerias de arte, um cinema, dois teatros e um café.

O financiamento das obras será uma parceria da prefeitura com o Banco Itaú e o aporte será de R$ 2,8 milhões. “A gente reabre o Gregório, provavelmente, entre agosto e setembro. E o Gregório volta ao seu desenho original, um grande salão multiuso”, explica. Lá, deverá funcionar ainda um centro de estudos  musicais. No entanto, para que as obras aconteçam, os ambulantes que ficam no entorno precisarão sair de lá, no máximo, no próximo sábado. A secretária da Ordem Pública, Rosemma Maluf, se reúne hoje com os comerciantes da Ladeira do Couro para definir o local para onde eles irão durante as intervenções na região.

Depois da obra, eles retornam, mas ficarão concentrados do lado direito e com barracas desmontáveis. Para o comerciante Rodrigo Cerqueira, a mudança será problemática. “Será que essas barracas vão aguentar o peso das bolsas? O material é pesado. A gente não tem como tirar tudo e botar todo dia”, argumenta. Segundo Rosemma, os vendedores não são irregulares, mas a forma como estão instalados - de maneira fixa  -, sim.

Apesar de ser transformado em ponto de referência da cultura negra, o local terá programação bastante diversa. FGM garante agenda cheia para movimentar o espaço. Foto: Amanda Dultra

Templo foi erguido sobre primeiro terreiro de candomblé Ketu baiano. Foto: Amanda Dultra

Durante a revitalização, comerciantes de couro vão para outro local. Foto: Amanda Dultra

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